Após ser impedido de votar por estar ‘morto’, comerciante descobre certidão de óbito e túmulo em seu nome

No primeiro turno, Carlos Fernando foi informado por mesários que seu nome estava na lista de falecidos. Polícia investiga o caso e acredita que um criminoso usava os documentos de Carlos Fernando Manzano.

De frente para uma sepultura no Cemitério da Saudade, em Mogi das Cruzes, Carlos Fernando Moreno Manzano observa a lápide com o próprio nome, com morte datada em 28 de novembro de 2017. O caminho que levou o comerciante até o túmulo começou no dia do primeiro turno, em 7 de outubro, quando ele foi informado por mesários que não poderia votar porque estava morto.

Em 29 anos como eleitor, esta foi a primeira vez que o morador de Suzano, cidade vizinha a Mogi, não pode exercer seu direito. Ainda tentando provar estar vivo, Carlos Fernando vai precisar ficar mais uma vez longe das urnas no segundo turno. “Todo ano eu anulo meu voto. Dessa vez que eu tinha escolhido meus candidatos, não consegui votar!”

O comerciante já teve acesso até ao próprio atestado de óbito em um cartório e visitou o túmulo onde alguém foi enterrado em seu nome.

“É uma sensação estranha. Coitado do cara que está enterrado ai… Estão rezando para a pessoa errada.”

Carlos conta que só descobriu a confusão quando entregou seus documentos para os mesários da Escola Estadual Raul Brasil. “Entreguei meu título e, pelo nome, o mesário foi consultar a lista para eu poder assinar e depois votar. Só que do Carlos Alberto, do Carlos Eduardo, já pulou para o Carlos Henrique e meu nome não estava lá. Foi aí que o mesário viu, no fim do caderno, que meu nome constava na lista de falecidos. Só que eu estou aqui, eu estou vivo.”

O comerciante foi até o Cartório Eleitoral de Suzano e foi orientado a procurar uma agência do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Lá, ele descobriu que sua morte tinha sido registrada em um cartório de Mogi das Cruzes.

Ao chegar no Cartório de Registro Civil de Mogi das Cruzes, Carlos teve acesso à própria certidão de óbito e à declaração de óbito emitida por uma funerária. Segundo o documento, o comerciante morreu de causas naturais no Hospital Luzia de Pinho Melo, também em Mogi.

“É uma coisa constrangedora e frustrante. Você está vivo, mas não está vivo. Na hora eu levei um choque, mas depois a ficha caiu e percebi que para certas coisas eu estou vivo, para outras não. Eu tenho um pequeno comércio em meu nome, pago os impostos, mas não pude votar.”

Investigação

Com os documentos em mãos, Carlos Fernando procurou a polícia e registrou um boletim de ocorrência por falsificação de documento público. Na delegacia, passou pelo processo de legitimação, por meio da coleta das impressões digitais para confirmar que elas são as mesmas da pessoa cadastrada no número de RG dele.

A polícia já apurou que quem procurou a funerária para declarar o óbito foi uma mulher, que se disse amiga da vítima. Ela apresentou o atestado de óbito emitido pelo hospital e o RG do falecido. Com a documentação, a funerária emitiu uma declaração de óbito e o corpo foi velado.

Polícia investiga se familiares do morto, que acompanharam o enterro, sabiam da suposta identidade falsa — Foto: Maiara Barbosa/G1

Polícia investiga se familiares do morto, que acompanharam o enterro, sabiam da suposta identidade falsa — Foto: Maiara Barbosa/G1

De acordo com a apuração do G1, o RG apresentado é de um modelo antigo, sem CPF, porém, com a foto de uma pessoa de meia-idade. No documento, a filiação e a data de nascimento são as mesmas de Carlos Fernando. Por conta disso, o delegado Argentino Coqueiro da Silva, não acredita em um caso homônimo.

De acordo com o delegado, o inquérito já foi instaurado e uma das suspeitas é que uma pessoa procurada pela Justiça estava usando documentos falsos em nome de Carlos Fernando. Segundo a polícia, uma mulher chegou a entrar em contato com a funerária e dizer que o homem enterrado era na verdade o filho dela, Antônio Carlos Lisboa Leão, que tinha 55 anos.

Ainda de acordo com o delegado, esse homem respondia por crimes como estelionato, roubo e falsificação de documento público. Ele estava foragido da penitenciária de Mongaguá desde 2003.

“Vamos localizar a mulher que declarou o óbito. Estranhamente, essa pessoa se alegou amiga dele, sendo que ele tem família, tem filhos e ninguém teria acompanhado esse registro”, comenta.

Depois do óbito, o corpo foi velado e, para o delegado, os amigos e familiares, sabiam da falsa identidade do falecido.

O delegado também informou que vai pedir autorização à Justiça para que seja feita a exumação do corpo enterrado. A intenção é identificar o morto por meio de exames de DNA, porém não há prazo para que isso seja feito.

Os dados do paciente, que estava internado no Hospital Luzia de Pinho Melo quando morreu, também serão analisados pela polícia. “Ainda é prematuro dizermos alguma coisa no sentido de fraude no hospital. Mesmo assim, vamos ouvir o médico que atestou o óbito”, finaliza.

A Secretaria Estadual de Saúde, responsável pelo hospital, informou ao G1 que não irá se pronunciar sobre o caso.

Apesar disso, na Certidão de Óbito emitida pelo cartório há uma observação de que o número de CPF não foi apresentado. Atualmente, é obrigatório informar o número do Cadastrado de Pessoa Física para que, depois, seja feito o cancelamento do número.

Para provar que está vivo, Carlos Fernando consultou um advogado e irá entrar com um processo na Justiça. Enquanto isso, o CPF de Carlos Fernando continua ativo para a Receita Federal e, inclusive, ele recolheu nesta semana impostos por ser um Microempreendedor Individual (MEI).

O Cartório de Registro Civil de Mogi das Cruzes informou que o CPF do falecido não foi apresentado quando o óbito foi declarado, mas, segundo nota enviada pelo cartório, é “obrigatório constar nos registros e certidões o CPF após a consulta na base de dados da central de informações do Registro Civil. Quanto ao cancelamento o cartório somente faz a comunicação do óbito ao órgão competente.”

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