O ato revolucionário de dizer a verdade
“A ditadura perfeita terá a aparência da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão” – Aldous Huxley, autor de admirável mundo novo.
Imagine por um momento que você é aluno de uma universidade federal, e durante uma de suas infindáveis aulas, o professor, figura de maior autoridade naquele ambiente, faz uma afirmação para a classe, afirmação essa que vai totalmente contra suas percepções e crenças. Você até pensa em dar sua opinião, todavia, antes de se manifestar, alguns de seus colegas tomam a palavra, e satisfeitos, endossam totalmente a fala do professor. Neste momento, você, que tem uma opinião diametralmente contra essas posições, se cala, pois acreditou que a imensa maioria daquelas pessoas discorda de suas perspectivas, levando-o assim, por medo, temor, vergonha ou insegurança a se calar.
Pareceu familiar, não é? Todos os dias, em seus ambientes de trabalho, em universidades e até mesmo em suas casas, milhões de pessoas se calam ao acreditarem que suas opiniões podem ser minoritárias, em um fenômeno que é conhecido como espiral do silêncio. Fenômeno esse que foi estudado, analisado e nomeado pela cientista política alemã Elisabeth Noelle-Neumann, a partir de uma série de pesquisas desenvolvidas no Institut fur Demoskopie Allensbach, com o intuito de entender a surpresa das urnas que ocorreu eleições na Alemanha Ocidental, de 1965. Sendo bem sucinto, a teoria da espiral do silêncio basicamente diz que, por sermos animais sociais, temos a tendência de temermos o isolamento, então, ao nos depararmos com opiniões, ideias e perspectivas diametralmente contrárias às nossas, muitas vezes preferimos não questionar os emissores das ideias, e em alguns casos, até mesmo endossar as ditas ideias, em uma tentativa desesperada de conseguir aprovação.
Ok, mas e daí? Isso é provavelmente um fenômeno pouco abrangente e que não deve influenciar em nada o Brasil ou o Mundo, correto? Veja bem, caro leitor, é fato que várias teorias oriundas da ciência política são tolices enormes, e que sim, tendem a ter uma abrangência mínima e não influenciar em nada a sociedade. Entretanto, graças a seu valor transcendental, a teoria da espiral do silencio nos ajuda a compreender alguns fenômenos que há décadas ocorrem rotineiramente no mundo: a perseguição de ideias majoritárias e a ilusão de concordância. Meio confuso, eu sei, mas me permitam explicar. Vamos supor momentaneamente que em um certo país, a maioria da população tenda a ter perspectivas e crenças mais conservadoras. Contudo, nesse país hipotético, as massas estão sob controle há décadas, e o establishment dessa nação, (representado aqui hipoteticamente pela grande mídia, pelo judiciário, a classe de professores universitários e pelos políticos), que é corrupto, subversivo e decadente, está razoavelmente tranquilo, pois sabe que dificilmente o povo irá agir para se libertar das amarras da opressão. Amarras essas que foram tecidas lentamente ao longo das décadas, permitindo assim que esse suposto estamento burocrático controlasse o povo como cordeiros cegos, que ao primeiro assobio de seu pastor correm rapidamente para sua direção.
No entanto, um dia, mesmo sem perceber totalmente o que está ocorrendo por trás das cortinas da subversão, o povo desse país hipotético nota que estranhamente seu governo e a maioria da “classe pensante” parecem não ter um desejo genuíno de ajudá-los. Então, os donos do poder ficariam preocupados, pois se as massas tomarem consciência que o establishment trabalha contra elas, pode ocorrer uma revolta. Nesse cenário, o establishment precisaria reagir para não perder o controle das massas, porém, movimentos agressivos e espalhafatosos não seriam uma opção muito sabia, pois o que torna a espiral do silencio e o controle social tão poderosos é a ilusão de que eles não existem, algo parecido com o sábio alerta de Schopenhauer: “quem espera que o diabo ande pelo mundo com chifres será sempre sua presa”. Por isso, para conter esse possível levante popular, o establishment começa a agir. Ideias seriam demonizadas, intelectuais que ousassem pensar fora daquilo que é “permitido” perderiam todo o seu prestígio, questionamentos a figuras de alta relevância seriam encarados como ameaças a ordem, e acima de tudo, as ideias majoritárias começariam a ser encaradas como tolices apoiadas apenas por turbas de fanáticos, e que por essa razão, deveriam ser extirpadas e censuradas.
Porém, isso não seria o suficiente para aniquilar definitivamente as chamadas “ideias subversivas”, ou como são possivelmente chamadas em alguns países onde a liberdade não reina, “ameaças a democracia”. E nesta hora, o establishment avançaria para dar o paço decisivo que iria conter as ideias magnas do povo, indo assim para o estágio que criaria a ilusão de concordância. Sendo esse o estágio mais avançado e terrível espiral do silencio. E diferentemente do que parece, isso seria muito fácil de ser implementado. Uma vez que as ideias majoritárias da população sejam marginalizadas e jogadas na lama, no mínimo se tornará perigoso para uma pessoa dizer em alto e bom som que as apoia. E já que o establishment controlaria os principais meios de propagação de informação, apenas seria preciso colocar um seleto grupo de comunicadores, professores e intelectuais para serem a “voz do povo”, com a única função de tornar as mentiras grandes, simplifica-las o máximo possível e continuar afirmando-as a toda momento, pois tal como cães de Pavlov, totalmente lobotomizados por reflexos condicionados, todos eventualmente acreditarão nas mentiras. Atos esses que teriam o poder de consolidar a espiral do silencio.
Entretanto, como dito anteriormente, as análises feitas neste artigo são totalmente hipotéticas, e toda e qualquer semelhança das situações apresentadas aqui com a realidade são apenas meras coincidências. Todavia, eu gostaria de convidar todos vocês para uma reflexão, pois mesmo situações hipotéticas e conjecturais podem nos trazer reflexões valiosas e transcendentais. Por esses fatos, peço a todos vocês, estimados leitores, ampliem seus horizontes e lembrem-se, se liberdade significa alguma coisa, seria sobretudo o direito de dizer às pessoas o que elas não querem ouvir, pois numa época de mentiras universais, dizer a verdade é um ato revolucionário.
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